Se você está lendo esse texto, em uma newsletter chamada “Transformação e Tendências”, é porque seguramente entende a importância de se realizar análises de macro forças, como ponto de partida de exercícios estratégicos. O objetivo desse texto é propor um modelo atualizado para esta análise, em base ao que tenho observado como novos elementos centrais de influência.
A base: o modelo PESTEL.
Talvez o modelo mais utilizado hoje para se analisar macro forças seja o PESTEL, que se dedica a avaliar os impactos das forças Políticas, Econômicas, Sociais, Tecnológicas, Ambientais (Environmental) e Legais.
É interessante para a ideia do texto que este modelo também evoluiu no tempo, tendo iniciado apenas como ETPS (Econômico, Técnico, Político e Social). Ainda que sua origem exata não seja clara, acredita-se que tenha sido desenvolvido nos anos 1960, como uma extensão do trabalho de Francis J. Aguilar, em seu livro Scanning the Business Environment, de 1967.
Sua primeira atualização se deu lá pelos anos 1990, para refletir mudanças no ambiente de negócios: o Técnico evoluiu para Tecnologia, e dois elementos foram agregados, em função da maior consciência sobre Sustentabilidade (Environment ou Ambiente) e Regulamentações (Legal).
É importante recordar que nesse período tivemos acontecimentos relevantes para o mundo dos negócios:
- Democratização da tecnologia: diversos avanços tecnológicos foram observados, quase todos apoiados na Internet e na capacidade crescente do poder computacional, reduzindo os custos para a utilização dos benefícios tecnológicos.
- Movimento ambientalista: Eventos como a criação do Protocolo de Montreal (1987) e da Rio-92 (1992) destacaram a relevância de fatores ambientais no planejamento estratégico.
- A crescente globalização e regulamentação corporativa: Negócios começaram a operar em múltiplos países, com legislações e regulamentações setoriais distintas, mas ao mesmo tempo, cada vez mais interligadas.
A evolução da PESTEL para a época atual
Como já observamos, uma boa análise de macro forças necessita evoluir, para que continue sendo relevante em exercícios estratégicos. Para tal, é fundamental escanear os principais acontecimentos dos últimos anos, e revisar pelo menos 4 elementos:
- A evolução dos elementos já presentes
- A necessidade de se agregar elementos novos
- A importância de separar a “hype” da tendência real
- A revisão do próprio modelo de análise.
Evolução dos elementos já presentes
O “Político”, com foco local, segue sendo fundamental, porém há uma nova disputa de forças globais, que trouxe de volta a Geopolítica ao centro do debate corporativo. Algo que há alguns anos considerávamos como discussões para diplomatas, hoje afeta o custo dos alimentos de cada família, bem como a análise midiática de acontecimentos globais, moldando um novo comportamento.
Necessidade de se agregar novos elementos
O “Talento”, do ponto de vista corporativo, é uma das maiores preocupações atuais:
· A frugalidade da geração Z, que chega ao mercado de trabalho com uma visão muito mais balanceada entre vida “pessoal” e profissional”, a qual por vezes é traduzida como falta de ambição;
· A inteligência artificial generativa (Chat GPT, Claude, Perplexity…) que automatiza tarefas rotineiras, antes realizada por jovens trabalhadores de escritórios, impactando a forma como desenvolvemos e contratamos analistas e assistentes;
· A discussão entre vantagens e desvantagens do trabalho remoto ou híbrido, não apenas para os trabalhadores, mas também para a criação de cultura corporativa e desenvolvimento de soft skills dos novos empregados;
· A pequena oferta de profissionais com formação em exatas ou o baixo letramento digital, impactando a forma como cada empresa aproveita a democratização das tecnologias, não apenas desenhando, mas também implementando novos processos.
Discussões como essas, que definem a oferta de Talentos, precisam ser levadas em conta no desenho de organizações, para que funcionem sob essa nova ordem.
A separação entre “hype” e tendência real
Um mundo super informado, com alto grau de compartilhamento de informação e quase uma concorrência para quem a entrega primeiro aos outros, leva líderes e suas organizações a um estado frequente de atenção, de quase paranóia, e sensação de estar perdendo algo, o tal FOMO (fear of missing out, ou “medo de estar perdendo algo”).
É fato que parte da geração Z apresenta uma visão de JOMO (joy of missing out, ou “prazer de ‘perder algo’”). Não é um sinal de alienação, mas apenas de vier o momento e dizer não a tudo aquilo que não é prioritário.
Esse é um bom conceito, se pensarmos que uma boa estratégia deveria reduzir muito o FOMO, para se concentrar no JOMO, ou naquelas coisas que realmente impactam o negócio. No entanto, para chegar lá é importante que a análise de macro forças seja o mais objetiva possível.
Em minha experiência, a maneira mais eficiente de se manter “focado” é levantar indicadores claros para cada elemento observado. O ideal é que sejam dados quantitativos, que possam ser monitorados e atualizados a cada trimestre, para evitar a subjetividade.
Esses dados podem ser:
a) dados públicos, do IBGE ou de outros órgãos governamentais, ou mesmo internacionais e supragovernamentais, como Fórum Econômico Mundial, Banco Mundial, ONU etc. Essas fontes são especialmente úteis para análises Econômicas, Sociais ou até Geopolíticas;
b) dados divulgados abertamente, especialmente em estudos realizados por mais de 2-3 anos, para evitar tomar decisões em base a publicações enviesadas ou mal desenhadas. Dois bons exemplos são o Relatório do Futuro do Trabalho, que tanta atenção chamou no início de 2025., bem como o Guia “Melhores Empresas para Trabalhar” (GPTW), que há anos pauta as discussões sobre o Talento;
c) Algo similar ocorre para publicações sobre “Meio Ambiente”, ainda que neste caso seja fundamental olhar criticamente o que é publicado como indicador/KPI, já que o ativismo de lado a lado é muito intenso.
d) Levantamentos específicos, como número de patentes ou publicações científicas, em especial para assuntos relacionados a Tecnologia;
e) Pautas no Congresso, para indicação tanto de Políticas Públicas como Regulamentações Setoriais. Ainda nesse aspecto, o levantamento do número e importância dos países que já apresentam legislações específicas no mundo, como por exemplo foi o caso da Lei Geral de Proteção de Dados ou do Marco Civil da Internet.
f) Finalmente, em alguns casos, teremos que usar o número de menções na mídia ou nos relatórios a investidores de alguns assuntos. Neste caso, é importante não apenas conhecer a evolução das menções, a sua localização (que Região do mundo ou do país mais comenta o assunto? em qual setor econômico vemos mais menções), a orientação geral das fontes utilizadas para a pesquisa, mas também buscar um pouco mais de contexto. Como contexto defino “o que mais além da palavra que estamos buscando foi citado”.
É imprescindível lutar para se encontrar um indicador para cada uma das potenciais tendências que levantarmos. Com os indicadores em mãos, que sejam atualizados com certa frequência e de maneira correta, poderemos antecipar reais transformações e abandonar “hypes”, deixando que concorrentes sigam com seu FOMO, gastando tempo, energia e dinheiro em atividades que não fazem sentido.
A revisão do conceito do próprio modelo de análise
Tradicionalmente, o final da análise PESTEL era um quadro razoavelmente estático, o qual ou era deixado de lado, ou era reutilizado na análise SWOT (Strenghts/Fortalezas da empresa; Weakeness/Debilidades da empresas; Opportunities/Oportunidades disponíveis no mercado; e Threats/Ameaças que poderão surgir no mercado), e segue sendo uma boa prática iniciar a discussão das Oportunidades e Ameaças com o PESTEL em mãos.
Porém a interconexão entre os elementos é cada vez mais visível desde a Pandemia, a qual com todas as suas implicações e transformações, deixou claro a necessidade de se entender o mundo de forma holística. Ainda que esse pensamento já fosse presente na sociedade, foi a primeira vez que sentimos “na pele” o que é fazer parte de um mundo globalizado, e como tudo se conecta e se interrelaciona.
Essa visão holística não é necessariamente nova, pois a abordagem psicológica “Gestalt”, do início do século XX, já afirmava que o ser humano percebe o mundo como um todo organizado, onde “a soma das partes” é, na verdade, algo muito mais complexo e significativo do que a análise fragmentada dos componentes.
De fato, pode-se afirmar que na abordagem Gestalt, o todo é diferente da soma das suas partes, e por isso, ao analisar macro forças, não podemos nos limitar a dissecar elementos isolados sem levar em conta como eles se relacionam entre si, buscando compreender todos os aspectos envolvidos e como eles interagem para formar um todo coerente.
Uma proposta de modelo: GESTALT
Baseado em tudo o que já comentei, acredito que explorar uma abordagem sob o modelo “GESTALT” seja um caminho interessante, para a análise de macro forças.
O primeiro passo é redefinição/atualização dos elementos:
- (Geo)político
- Econômico
- Social
- Tecnológico
- Ambiental
- Legal
- Talento
O segundo passo é a identificação das tendências, e a busca de indicadores que nos ajudem a criticar ou sustentar nossas percepções qualitativas, evitando em especial o viés de confirmação.
O terceiro passo é a busca das interconexões, ou seja, como um movimento diferente em cada tendência, impacta outra macro força. Por exemplo, uma aceleração na adoção da Inteligência Artificial Generativa pode aumentar a produtividade das empresas, mas ao mesmo tempo, incrementar o desemprego de jovens com formação universitária. Com isso, o desafio será encontrar maneiras de se reinserir esses jovens nas empresas, para não perder uma geração inteira de Talentos.
Estamos utilizando aqui uma pequena parte da conceito de “Dinâmica de Sistemas”, que tempo por objetivo visualizar como as variáveis se influenciam mutuamente, criando uma visão sobre quais mudanças podem reforçar (ou amortecer) cada elemento da macro força.
O exercício também ajuda o desenvolvimento de cenários e uma postura mais ativa na criação de futuros desejáveis, pois nos força a imaginar impactos e possíveis alternativas para cenários “apocalípticos”, tão veiculados por alguns meios de comunicação ou até colegas extremistas.
Para facilitar essa análise, recomendo colocar os elementos observados com maior variação no período de análise, pois aí devem estar as principais Oportunidades ou Ameaças. Agregamos esses elementos a uma matriz com 9 colunas.
- Na primeira coluna, colocamos as observações, por exemplo, o “avanço dos Agentes de IA (inteligência artificial), realizando funções que jovens formados antes realizavam”;
- Na segunda coluna, deixamos sempre 2 cenários: 1) caso a tendência se acelere, o que deveremos ver no mercado, 2) o que poderá ocorrer, caso reduza sua velocidade ou intensidade
- As outras 7 colunas, cada uma com sua Macro Força, e o impacto previsto
Segue um exemplo para materialização do conceito:

Em resumo, a proposta para um modelo Gestalt de identificação de macro forças, não é apenas “cosmética”, mas uma atualização para a velocidade e interconexão do mundo atual. O processo completo nos permite realizar análises hoje, enquanto fazemos um rápido planejamento de cenários, dando a empresa a capacidade de se adaptar rapidamente a mudanças no entorno.