“Transformação Digital hoje é pouco. Planeje a Transformação Cognitiva da sua empresa”

Todo dia é 1o de Abril na sua empresa?

Diz a história que a tradição de 1o de Abril como “Dia dos Bobos” e logo “Dia de Mentira”< surgiu em 1564. Naquele ano, o rei francês Carlos IX decidiu que a celebração do Ano Novo não mais se faria alinhada ao Ano Novo eclesiástico (que se iniciava em 1o de Abril), mas sim alinhada ao calendário juliano, o qual desde a época do imperador romano Júlio Cesar, foi decretado como 1o de Janeiro.

Houve revolta dos fiéis mais resistentes, que permaneciam comemorando efusivamente o Ano Novo eclesiástico, mas que logo começaram a ser importunados por seus compatriotas, os quais lhes “pregavam diversas peças” durante o período. A “pacificação” veio em 1582, quando o Papa Gregório XIII adotou o novo calendário e o batizou como calendário gregoriano, em substituição ao calendário juliano. Uma bela oportunidade de marketing, aliás.

E o que isso tem a ver com transformação, resultados ou estratégia?

Talvez na sua empresa todas as pessoas contem as verdades, ou mais sutilmente, entreguem os fatos corretos aos seus chefes e aos outros departamentos. Essa “transparência radical” é cada vez mais cultuada, porém, em minha experiência, um tanto rara.

O termo mentira ou pegadinha talvez não se aplique, mas quantas áreas pedem que a outra antecipe suas entregas antes do necessário, para “ter um colchão”. Ou, ainda mais comum, quantos líderes de unidade “guardam um pouco de resultado na manga”, para que o objetivo do ano que vem não seja tão agressivo? Ah, Finanças pedindo mais corte de custo que o necessário, para conseguir o que precisa, também é algo que você deve ter observado.

Vamos por outro lado: quantas vezes o um indicador é “torturado” até que chegue naquilo que “a diretoria consegue aceitar” ou “o gerente quer ver”? Quantos retornos de investimento para se aprovar CAPEX foram revisados (para baixo) nos últimos 3 anos? E aconteceu na sua empresa um lançamento que estava “vendendo pacas”… até que parou de vender “de uma hora para outra”?

Enfim, o ponto central aqui é que a falta de transparência radical nas conversas de negócios leva a uma enorme perda de eficiência da organização, se traduzindo em perdas financeiras, de confiança e de energia.

A transparência radical e suas variações

Há referências que dizem ser Tom Peters um dos primeiros a discutir o assunto, lá na metade da década de 90 (faz 30 anos…). No entanto, nos últimos anos a maior referência no assunto foi, sem dúvida, Ray Dalio.

Há um caso muito interessante em Harvard, que é realizado inteiramente através de vídeos, boa parte deles acompanhando reuniões reais dentro da Bridgewater. Tive a felicidade de discuti-lo com a professora Heidi K. Gardner há exatos 9 anos, e ainda me lembro o quanto aquilo me surpreendeu.

Há bastante literatura disponível sobre o assunto, já que “Tio Ray” (como alguns gostam de chamá-lo) credita o sucesso inequívoco da Bridgewaters à essa cultura. Sua empresa conseguiu retornos financeiros inigualáveis, os quais ele dizia serem fruto de discussões de altíssima qualidade, gerando uma “meritocracia de ideias”, importando menos a hierarquia e mais a preparação e o conhecimento de quem as apresentava.

Há no entanto outros 2 elementos igualmente importantes:

  • a Bridgewaters investiu antes que seus concorrentes em análises preditivas, baseadas em dados de qualidade e modelos matemáticos. Em um dos vídeos, Ray se senta ao lado de um analista para entender como ele tomou uma decisão de investimento, para poder “codificá-la”;
  • e, não menos importante, a empresa tinha uma orientação ao aprendizado, que incluia o erro como parte do processo.

Em resumo, a combinação de boas informações e boas discussões levava a melhores decisões, mas ao mesmo tempo, quando a empresa se equivocava, havia uma curiosidade genuína de corrigir o processo decisório, com melhores dados ou melhores discussões.

Há outras coisas que fizeram a empresa ter sucesso, e Mr Ray é bastante controverso em seus métodos, mas para o objetivo do texto, vou me concentrar nesses elementos.

Processos de transformação precisam de transparência radical e MUITA empatia

Não importa a filosofia de transformação que você for escolher, é unânime que não há sucesso sem uma boa pergunta de negócios, e sem uma análise criteriosa dos caminhos que levarão à sua resposta. Simples na teoria, muito complexo na vida real.

A questão é que a decisão da transformação implica em mudar o estado das coisas. Uma estratégia de marca que o diretor de marketing concordou com a agência há alguns meses. Uma política de estoques que o diretor de supply chain desenhou em conjunto com o diretor financeiro. Ou um desenho de go to market que foi implementado pelo diretor de vendas trazido a peso de ouro da concorrência. Sempre, sempre, haverá alguém importante sendo testado ou desafiado, em um processo relevante de transformação, e essa situação demanda muita empatia pelo principal patrocinador da mudança.

Em uma empresa que valoriza o aprendizado constante, a primeira análise a ser realizada é: quais fatores foram levados em conta, no momento da decisão que foi tomada por essas pessoas? Que estudos? Que análise do mundo exterior? Quais as premissas para o dólar? Quais os movimentos da concorrência foram antecipados?

Essa análise deve trazer à mesa qual a causa raiz para que aquela estratégia não esteja mais funcionando. Pode ser que o mercado exterior tenha mudado? Ou que a equipe de implementação não teve recursos previstos na hora do planejamento? Quando a implementação é diferente do planejado, deve ser apresentada uma segunda questão: quais eram os indicadores de sucesso “antecedentes”, ou seja, o que deveria ser monitorado, por quem e com que frequência, para dar aos líderes do processo a visão que necessitava correção?

No entanto, muitas vezes o erro foi na análise que levou às premissas, e chegar a essa conclusão é muito difícil. Em minha experiência, o time do projeto nunca conseguirá informações melhores para “refazer” a decisão, portanto é mais fácil investir tempo pedindo uma atualização das informações utilizadas, bem como uma discussão sobre “que outras informações estão disponíveis hoje, que não estavam naquele momento”.

Essa segunda pergunta quase sempre leva ao embrião de um processo de digitalização, pois é frequente haver mais dados, mais frequentes e mais organizados do que quando os processos atuais foram tomados. Com essa informação de melhor qualidade, é muito mais fácil não apenas tomar melhores decisões, mas também corrigir a rota mais rápido (e mais barato).

As 3 fases propostas acima geram muita entropia para a mudança, mas ao mesmo tempo bastante empatia, pois tiram o foco das pessoas e o redirecionam aos fatos (“hard on problem, soft on people”):

  1. o entendimento das premissas e das análises utilizadas para a tomada de decisão e durante a implementação,
  2. a escolha dos indicadores de performance e a sua evolução no tempo e vs o planejado,
  3. a atualização das premissas e análises, quase sempre encontrando novas fontes de informação e métodos mais desenvolvidos para análise

Como você pode imaginar, a tentativa desse processo é reduzir o efeito “1o de Abril” nos processos de diagnóstico prévios à Transformação: aquela informação importante que ficou faltando na análise inicial, pode aparecer milagrosamente agora… ou a análise que demonstraria que o retorno do projeto não seria tão alto, pode agora ser trazida como aprendizado.

Para isso, é fundamental que o patrocinador da transformação adote os princípios da transparência radical, da meritocracia de ideias, do uso da melhor informação disponível e, fundamental, de tratar os erros como aprendizado, para que a organização cresça e se torne mais resiliente para processos futuros.

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