Construindo uma visão de futuro com Tendências Consolidadas, Controversas e Emergentes
Como dizia Alan Kay: “O futuro é um lugar onde você quer chegar antes dos seus clientes, para poder recebê-los ao chegarem lá.”. Essa frase ilustra o papel crucial de se antecipar às mudanças, o que é uma tarefa difícil, em mercados cada vez mais voláteis, complexos e incertos.
Há uma outra expressão no mundo dos negócios que diz que “as maiores recompensas estão nos maiores riscos”, e esse pensamento orienta boa parte dos empreendedores multimilionários. Ilustro com a frase do presidente de uma fintech em que fui Conselheiro, o qual sempre que aparecia alguma barreira ou risco regulatório no mercado, celebrava dizendo “isso é ótimo, porque haverá menos concorrentes querendo fazer o que eu faço”.
A escolha de quais tendências explorar é pauta constante de todas as empresas, o que é aproveitado por diversas consultorias a cada final do ano, as quais produzem conteúdo sobre “Como será o futuro?” ou “O mundo em 2030”, e assim por diante. Nos enchemos de informação e ótima ideias, mas essa abundância torna difícil identificar quais tendências devemos buscar mais informação sobre, antes de tomar decisões de investimento de recursos.
Há diversos exercícios e “modelos mentais” para se realizar essa exploração, no entanto eu prefiro fazer um filtro “macro” antes de me aprofundar, e divido aqui um desses processos, utilizando como base 15 relatórios de instituições como Goldman Sachs, JP Morgan, UBS e BlackRock.
Neste caso, considerando que estas instituições são concorrentes entre elas, e que seus relatórios naturalmente apresentam um viés baseado em suas teses de investimentos, julguei interessante organizar suas visões em 3 blocos:
1) Tendências consolidadas ou amplamente aceitas:
a. aquelas que várias instituições comentam e que, portanto, ou já se tornaram algo obrigatório para se fazer negócios, ou apresentam pouca possibilidade de upside (ganhos financeiros significativos);
b. a ação concreta para esse bloco, é encontrar empresas especializadas na implementação ou na exploração dessas tendências, para recuperar rapidamente o tempo perdido e não ser castigado por Clientes.
2) Tendências com visões controversas:
a. são aquelas que alguns relatórios já as discutem, mas que diferem em relação aos impactos potenciais, ou que sugerem use cases muito diferentes;
b. para essas, gosto de escutar consultores e experts de mercado, para seguir construindo o meu pensamento sobre elas, mas também utilizo a minha rede de contatos para um sense checking, ou seja, para avaliar se o assunto está sendo discutido e por quem. Se for alguém em que eu confio no julgamento, dedico tempo em definir a minha visão sobre as mesmas.
3) Tendências emergentes:
a. aquelas que poucos relatórios as apontam, porém percebe-se um potencial interessante de exploração. Para essas, o objetivo primordial é avaliar o potencial impacto no seu negócio (ou carreira), caso se concretizem;
b. essas tendências se materializam em produtos ou serviços de maneira diferente do esperado, em função do seu desenvolvimento constante, por isso necessitam de acompanhamento frequente para definição dos melhores use cases. A proximidade com Universidades ou Empresas com alta produção de patentes é sugerida, já que normalmente ainda estão no campo da “ciência básica”.
Essa divisão não é conceitual: ela reflete como negócios e líderes podem navegar por um cenário dinâmico, separando entre o que é essencial para a sobrevivência, daquelas que podem trazer vantagem competitiva, e aquelas que, embora mais incertas, podem transformar mercados inteiros.
A visão dos atores que orientam, fomentam e estruturam a alocação de capital no mundo
Ainda que o objetivo central desse texto seja discutir maneiras de organizar fontes variadas de relatórios de tendências, entendo que dividir o que aprendi com esses relatórios seja positivo, para não apenas consolidar a proposta conceitual, mas também trazer novas ideias.
1) Tendências consolidadas ou amplamente aceitas:
1.1. ESG e Sustentabilidade
A pressão para implementar práticas ESG (Ambiental, Social e Governança) não é mais apenas um diferencial; tornou-se uma exigência para participar de mercados globais. Instituições como BlackRock e UBS indicam que a não conformidade com critérios ESG pode excluir empresas de grandes fluxos de capital e parcerias estratégicas.
– Razão para consenso: além de regulações ambientais mais rígidas, consumidores e investidores exigem transparência e responsabilidade corporativa. Empresas que ignorarem isso correm o risco de perder espaço no mercado.
– A observar: ainda que os relatórios não transitem muito por esse aspecto, há uma contrarreação ao discurso denominado “woke”, que em alguns casos pauta a agenda de ESG e Sustentabilidade. É fundamental que a empresa adote as práticas como crenças de negócio e não apenas como discurso ou pressão midiática, já que há cada vez mais debate sobre o real impacto das políticas.
1.2. Automação e Inteligência Artificial
Automação e IA têm sido destaque em praticamente todos os relatórios. Seja em operações industriais, serviços ou processos criativos, o impacto transformador dessas tecnologias é inegável.
– Razão para consenso: a combinação de IA generativa com automação tradicional permite que empresas reduzam custos e aumentem a eficiência, além de criar oportunidades de novas fontes de receita.
– A observar: Leve em conta a necessidade de se reeducar e capacitar pessoas nos conceitos de IA, já que os empregos da indústria do conhecimento futuro considerarão o entendimento das capacidades da inteligência artificial como uma habilidade básica.
1.3. Reconfiguração das Cadeias de Suprimento
A diversificação de cadeias de suprimento é uma lição aprendida com as “disrupções” causadas pela pandemia e tensões geopolíticas. Além disso, diferentes velocidades de recuperação econômica podem converter essas decisões em ferramentas políticas.
– Razão para consenso: a dependência excessiva de uma única região, como a China, tornou-se arriscada. Economias como Índia e Vietnã emergem como alternativas viáveis, mas também o México ganha relevância.
– A observar: a eleição de Donald Trump pode gerar novidades relevantes nessa reorganização, com um onshoring massivo. Vale acompanhar!
2) Tendências com visões controversas:
2.1. Globalização versus Regionalização
Enquanto relatórios como os da BlackRock sugerem uma “regionalização” da economia, outros, como o da Merrill Lynch, ainda veem a globalização como predominante.
– Fonte da controvérsia: as forças que moldam a economia global – tensões geopolíticas, tecnologia e mudanças climáticas – estão criando dinâmicas contraditórias. Novamente a eleição de Donald Trump é um fator relevante, porém a escolha entre atuar globalmente ou regionalmente pode também variar conforme o setor, mas é certo que empresas com operações globais precisarão equilibrar eficiência e agilidade local. Vale também observar o desenvolvimento do Regional Comprehensive Economic Partnership (RCEP), tratado de livre comércio formado por 15 países, incluindo a China, Japão, Coreia do Sul, Austrália, Nova Zelândia e os 10 membros da Associação de Nações do Sudeste Asiático (ASEAN). Há muita oportunidade econômica, mas sob extrema tensão geopolítica.
2.2. Adoção comercial do metaverso e experiências digitalmente imersivas
O metaverso é uma área onde opiniões divergem. Enquanto a Morgan Stanley prevê um impacto significativo já em 2025, o UBS considera que ele ainda está longe de se consolidar como relevante.
– Fonte da controvérsia: a adoção ainda depende de infraestrutura e casos de uso claros. No entanto, seu potencial para transformação da experiência, especialmente em entretenimento e varejo, já é amplamente reconhecido. Acredito que não será uma habilidade essencial para todos as empresa e setores, mas projetos-piloto, de baixo investimento e em parceria com empresas especializadas, podem se converter em boas surpresas, para todos os negócios com capacidade de explorar um aumento de experiência figital (medicina?).
2.3. Moedas Digitais de Bancos Centrais (CBDCs)
Embora relatórios como o do Barclays mencionem o potencial disruptivo das CBDCs, sua implementação ainda é incerta e enfrenta desafios regulatórios locais e globais.
– Fonte da controvérsia: enquanto prometem eficiência no sistema financeiro, as CBDCs levantam questões sobre privacidade e soberania. Bancos e fintechs precisarão se adaptar a novos sistemas de pagamento, enfrentando regulamentações com diferentes níveis de rigidez para transações internacionais.
3) Tendência emergente:
3.1. Tecnologias Biomiméticas
Apesar de não ser algo “novo”, já sendo discuta desde os anos 80, a Biomimética foi mencionada apenas pelo UBS, mas acredito que mereça algo mais de informação.
O conceito que a sustenta é que a natureza é altamente regenerativa, e que aprendeu a se desenvolver por milhões de anos, gerando combinações moleculares complexas, mas ao mesmo tempo elegantes e altamente eficientes.
Essas tecnologias são inspiradas nas formas, processos e sistemas da natureza, para inspirar desenhos sustentáveis. Para concretizar em exemplos:
Biomimética Focada em Formas:
O trem Shinkansen no Japão é frequentemente citado como um exemplo notável. Os engenheiros se inspiraram na forma aerodinâmica do martim-pescador para reduzir o ruído ao entrar e sair de túneis, além de melhorar a eficiência energética. Esse caso demonstra como a observação de uma característica natural pode resolver desafios tecnológicos e ambientais.
Biomimética Focada em Processos:
A cola de polímeros de mexilhão é outro exemplo relevante. Inspirada no processo pelo qual os mexilhões se fixam em rochas submersas, a empresa desenvolveu um adesivo não-tóxico que imita esse processo natural. O resultado é uma substância adesiva muito mais forte que os adesivos tradicionais, com aplicações potenciais na construção, medicina e manufatura.
Biomimética em Sistemas:
Essa abordagem envolve compreender o funcionamento dos ecossistemas e o papel de diversos organismos, assim como fatores ambientais como luz solar e saúde do solo. Um exemplo é de empresas que imitam ecossistemas de zonas úmidas, para criar sistemas eficientes de filtragem de água.
Na biomimética, o foco é entender o que os sistemas naturais fazem e como operam, em vez de simplesmente copiar sua aparência. Com isso, é possível imaginar ganhos de eficiência de materiais e de custos, em design, agricultura, construção, motores e outras tantas oportunidades ainda por explorar.
Encontrando Oportunidades nas Incertezas: uma proposta de leitura para relatórios de tendências
Como líderes, precisamos estar preparados para responder a duas perguntas fundamentais:
1) o que será o futuro do nosso segmento de atuação?
2) como devemos nos preparar para esse futuro?
Relatórios de tendências deixam claro que nem todos os movimentos oferecem as mesmas oportunidades. As forças amplamente aceitas são quase obrigatórias para se manter a competitividade, enquanto tendências controversas ou emergentes dependem do setor e do contexto estratégico para serem validadas. No entanto, como já discutimos, é nas incertezas que as verdadeiras oportunidades transformadoras residem.
Os próximos anos trarão um misto de continuidade e disrupção. Certas tendências, como ESG e automação, já estão moldando mercados mas sendo debatidas por novos ângulos, enquanto discussões sobre “globalização ou regionalização” e até o metaverso, voltaram a aquecer.
Nesse cenário, a capacidade de agir com convicção em pontos consensuais e manter flexibilidade em zonas de incerteza, será o diferencial para empresas e indivíduos. Afinal, o futuro não é para ser previsto, mas para ser moldado por aqueles que estiverem prontos para liderar, e como diria novamente Alan Kay, “A melhor forma de prever o futuro é inventá-lo”.