Desde o momento da sua aquisição pela Tata Motors, a Jaguar Land Rover tem enfrentado desafios significativos, em função dos avanços tecnológicos da indústria e de crises econômicas.
O “management” da JLR tem sido bastante ativo em apresentar reposicionamentos estratégicos audaciosos, portanto é importante analisar o track record da empresa nesses últimos 15 ou 16 anos, para que uma análise mais embasada seja feita sob os seus últimos movimentos, amplamente discutidos na imprensa.
Para facilitar essa análise, achei importante começar com um rápido resumo da aquisição, mas antes relembro ao leitor que as empresas Tata foram fundadas em 1.868, o que significa que há 156 anos de experiência em decisões corporativas dos mais variados segmentos, em todo o mundo.
2008–2013: A Aquisição, Seus Objetivos e Promessas ao Mercado
- Cenário de Aquisição: a Tata Motors adquiriu a Jaguar Land Rover (JLR) da Ford Motor Company em 2 de junho de 2008, por US$ 2,3 bilhões. Esta aquisição foi estratégica para a Tata, alinhando-se ao objetivo de diversificar seu portfólio e entrar no mercado global de veículos de luxo, um segmento até então inexplorado pelo grupo.
- Situação das Marcas: ambas as marcas enfrentavam declínio nas vendas, portfólios desatualizados e ineficiências operacionais. O cenário de crise foi agravado pela dependência de mercados saturados na Europa e América do Norte, gerando desafios que exigiriam revitalização estratégica.
- Motivações da Ford para a Venda: a Ford, em dificuldades financeiras, vendeu ativos não essenciais para concentrar recursos em seu core business. O acordo incluiu o fornecimento temporário de motores e tecnologias à JLR, garantindo continuidade operacional.
Principais Estratégias e Promessas da Tata
- Independência Operacional: a Tata Motors permitiu que a JLR operasse de forma independente, preservando sua identidade britânica e equipes de gestão locais. Esta abordagem visava tranquilizar consumidores e acionistas quanto à autenticidade das marcas.
- Preservação do Patrimônio das Marcas: comprometendo-se a manter a reputação das marcas de luxo, a Tata garantiu que Jaguar e Land Rover continuariam representando exclusividade e inovação no mercado automotivo global.
- Investimentos Estratégicos: a Tata alocou recursos significativos para renovação de portfólio, desenvolvimento de novos produtos como o Range Rover Evoque e foco em tecnologias emergentes, incluindo veículos elétricos e híbridos.
Desafios Imediatos e Primeiros Resultados
- Desafios: a aquisição ocorreu no auge da crise financeira global, reduzindo a demanda por veículos de luxo. Inicialmente, a Tata enfrentou ceticismo quanto à sua capacidade de gerenciar marcas de alto padrão.
- Resultados: JLR tornou-se rentável até 2012, com destaque para o sucesso de modelos inovadores como o Range Rover Evoque. Expandiu sua presença global, especialmente em mercados emergentes, contribuindo significativamente para as receitas globais da Tata Motors.
Com essa história em mente, fui atrás das principais decisões estratégicas desde 2014, bem como o cenário e os desafios que a empresa enfrentava, apresentando o resumo de maneira bienal.
2014–2015: Expansão e Penetração de Mercado
- Cenário de Mercado: A indústria automotiva global registrou vendas recordes de 88,3 milhões de unidades, impulsionadas pela expansão nos mercados chinês e norte-americano. No segmento de luxo, a demanda por veículos eficientes e compactos crescia rapidamente.
- Situação do Negócio e Marca: Vendas globais da JLR cresceram 9% (462.678 unidades). No entanto, a Jaguar enfrentava críticas por sua falta de relevância entre consumidores mais jovens, frente a rivais como BMW e Mercedes-Benz. A discussão estratégica mais importante era sobre quanto de esforço (e dinheiro) deveriam ser alocados para a diversificação geográfica, versus usar esses recursos para incrementar a força (e a dependência) do mercado chinês
- Estratégias e Ações: Introdução dos modelos Jaguar XE e Land Rover Discovery Sport, com foco em eficiência e inovação. Expansão industrial com a construção de uma fábrica no Brasil, reduzindo custos e fortalecendo a presença local.
2016–2017: Avanços Tecnológicos e Brexit
- Cenário de Mercado: O impacto do Brexit trouxe volatilidade, enquanto a corrida por veículos elétricos (EVs) liderada por Tesla e BMW moldava o setor.
- Situação do Negócio e Marca: Apesar do lançamento do I-PACE, o primeiro SUV totalmente elétrico da Jaguar, margens de lucro caíram devido ao aumento de custos e altos investimentos em P&D. Esses resultados aqueceram o debate sobre o correto balanceamento entre construir o futuro e se manter sustentável financeiramente no curto e médio prazo.
- Estratégias e Ações: Lançamento do “Electrification Forward”, focado em veículos elétricos e tecnologias autônomas. Adaptação operacional às incertezas do Brexit, mas com perda de competitividade nos preços de exportação.
2018–2019: Contração de Mercado e Medidas de Austeridade
- Cenário de Mercado: Tensões comerciais entre EUA e China e desaceleração econômica na China afetaram negativamente as vendas globais, com quedas mais acentuadas no segmento de luxo.
- Situação do Negócio e Marca: Vendas globais da JLR caíram 5%, principalmente na China. Enquanto a austeridade era vista como necessária, surgiram preocupações sobre sua sustentabilidade e impacto na moral e inovação da empresa.
- Estratégias e Ações: Implementação do “Project Charge”, economizando £2,5 bilhões com cortes de 4.500 empregos e renegociação de contratos. Foco em eficiência operacional e redução de custos.
2020–2021: Resposta à Pandemia e Transformação Digital
- Cenário de Mercado: A COVID-19 causou interrupções severas, mas acelerou a digitalização e personalização no segmento de luxo.
- Situação do Negócio e Marca: A rápida digitalização mostrou agilidade, mas destacou lacunas estruturais em relação a rivais como Tesla e Porsche.
- Estratégias e Ações: Lançamento do “Digital Next”, criando showrooms virtuais e ampliando vendas online. Empréstimo de £500 milhões garantido para manter liquidez durante a crise.
2022–2023: Estratégia “Reimagine” e eletrificação completa em 2025
- Cenário de Mercado: Veículos elétricos representavam 35% das vendas globais de luxo. Concorrentes como Tesla e BMW dominavam o setor.
- Situação do Negócio e Marca: Sob “Reimagine”, a Jaguar anunciou a transição para uma marca totalmente elétrica até 2025. Apesar do entusiasmo, riscos de execução em relação ao SUV luxo 100% elétrico, bem como a alienação de clientes tradicionais, foram amplamente levantados.
- Estratégias e Ações: Redução do portfólio para modelos EV premium, como parte do plano de simplificação. Retorno à lucratividade, com lucro antes de impostos de £2,2 bilhões.
2024: Reposicionamento de marca e renovação de compromissos
- Cenário de Mercado: A eletrificação domina a transformação do setor, com vendas de EVs projetadas em 14 milhões de unidades.
- Situação do Negócio e Marca: Estratégia de rebranding “Exuberant Modernism”, focada em inovação disruptiva e design futurista, gerou entusiasmo, mas também ceticismo.
- Estratégias e Ações: Lançamento de EVs de luxo, incluindo um grand tourer de £100.000, sob a iniciativa “Next Iconic”. Expansão do programa “Green Legacy”, com foco em sustentabilidade.
É um fato que há diversos riscos estratégicos envolvidos, além do reposicionamento da marca, entre eles:
- Execução Técnica: Riscos de atrasos e falhas no desenvolvimento de EVs premium podem prejudicar a confiança no reposicionamento da marca.
- Alienação de Clientes: A descontinuação de modelos tradicionais pode afastar consumidores leais, comprometendo a base histórica da Jaguar.
- Posicionamento Competitivo: Concorrentes como Tesla e Porsche têm vantagens estabelecidas em inovação e eficiência de produção.
Agora, voltando a pensar no grupo Tata como acionista, vale revisar os resultados financeiros da JLR nos últimos 5 anos:

Que bela recuperação, correto? E que linda conversão de EBIT em FCF!
Mas… outra vez… importante relembrar a visão de longo prazo dos indianos: a margem EBIT de 2014/2015 foi de incríveis 11,9%, em um lucro de £2.6 bilhões. Por outro lado, se você está se perguntando sobre o FCF, em 2014/2015 ele foi de “apenas” £0.8 bilhões e permaneceu negativo até 2021, ou seja, o FCF do ano fiscal 2023/2024 é o ponto mais alto da história recente da empresa.
Em resumo: os indianos devem estar muito atentos a tudo que está ocorrendo.
Fica claro que a empresa encontrou uma maneira de operar mais eficiente em relação a sua estrutura financeira, e que há criado resiliência para implementar estratégias diversas. A gestão da JLR como empresa, apoiada pela máquina de gerar dinheiro, sinergias e integração vertical da Tata, tem funcionado.
Mas há algumas perguntas que os investidores da Tata podem estar se fazendo, em especial em relação à gestão da marca:
1) Será que iremos perder segmentos de compradores afluentes, para trocá-los por consumidores que valorizam menos a posse de um carro?
2) Será que poderíamos ter aproveitado outra tendência social, a da nostalgia, para reposicionar a marca, que traz esses valores de maneira intrínseca?
3) Será que chegamos tarde ao jogo do carro elétrico e do posicionamento ultra moderno? Be woke, be broke?
Não temos as respostas, mas espero que ao ler o texto você fique tão curioso quanto eu em acompanhar os seguintes movimentos, não apenas em relação à publicidade, mas ainda mais relevante, ao lançamento do novo carro, o qual segundo a empresa, já tem uma enorme fila de potenciais compradores o esperando.