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Northvolt: uma história de conto de fadas, até o capítulo 11

Northvolt: uma história de conto de fadas, até o capítulo 11

O futuro do Capitalismo tem um nome: Northvolt

Fui apresentado à empresa Northvolt em Janeiro de 2023, através do estudo de caso “Northvolt: Building Batteries to Fight Climate Change” (Northvolt: desenvolvendo baterias para lutar contra as mudanças do Clima; caso N1-323-042).

A Professora Debora Spar, uma das autoras do caso, percorria a história da empresa e seus desafios, sob o olhar atento e cheio de esperanças de uma classe com 120 líderes de empresas, reunidos no campus da Harvard Business School em Boston.

Era a primeira vez que se discutia aquele caso, o qual seria apresentado naquele ano para os alunos do MBA da HBS, como parte fundamental do módulo “O propósito social das empresas”.

O que lemos no caso e discutimos nas aulas, nos enchia de esperança, já que a Northvolt foi apresentada como uma empresa totalmente alinhada com o zeitgeist (espírito do tempo), sendo sua promessa era produzir a bateria elétrica mais “verde” do mundo:

1)      Para o meio ambiente: tinha o propósito de resolver um problema real (a poluição gerada pelas baterias de carros elétricos), para acelerar a adoção dos carros elétricos;

2)      Para a geopolítica: buscava ser a grande alternativa aos produtores chineses de baterias, em especial para o mercado europeu e seus fabricantes de automóveis, mas ao mesmo ser um contraponto à força da Tesla;

3)      Para a sociedade sueca (e logo, escandinava): gerou quase 4.000 empregos em 2 pequenas cidades, próximas de Estocolmo, além de colaborar para o objetivo declarado de neutralidade de carbono do país;

4)      Estrutura financeira da empresa: foi financiada por fornecedores, clientes (montadoras) e diversos atores governamentais, em diferentes formatos (parcerias tecnológicas, acordos de compra, empréstimos subsidiados)

Para complementar, o time de fundadores era o ideal, com 2 “ex Tesla”, sendo 1 deles um conhecido empreendedor sueco, que havia sido CEO de empresas de energia limpa (Carl-Erik Lagercrantz). Para compor a equipe, trouxeram executivos com comprovada experiência e sucesso nestes mercados, sendo que alguns deles já haviam trabalhado juntos na própria Tesla.

Com essa pequena introdução, você já deve estar se perguntando: onde consigo comprar ações desta empresa?… bom, calma lá, ela acabou de pedir o “Chapter 11” nos Estados Unidos, ou seja, está em recuperação judicial.

Este artigo tem um foco especial na alocação de capital da Northvolt, mas também analisa alguns movimentos do mercado, com a intenção de criar em todos nós uma visão mais crítica para aquelas iniciativas em todos apostam, “sem nem pensar”.

Linha do Tempo dos Desenvolvimentos Financeiros


Primeiros Passos: Investimentos e Parcerias Promissores (2016–2018)

A jornada da Northvolt começou com grande promessa:

  • Capital Inicial: $12 milhões arrecadados em 2017.
  • Parcerias: Investimentos de $10 milhões de grandes OEMs como BMW, Scania e Siemens.
  • Suporte Governamental: Empréstimo de €50 milhões do Banco Europeu de Investimentos (BEI) e $16,9 milhões da Agência de Energia Sueca.
  • Projeção de Receita: $55 bilhões em contratos de longo prazo, incluindo compromissos de Volkswagen, Volvo e Polestar.

Esses primeiros passos permitiram que a Northvolt se posicionasse como uma alternativa sustentável e premium aos fabricantes asiáticos, com capacidade pré-vendida até 2030.

A se destacar: a colaboração da Northvolt com órgãos governamentais e montadoras mostrou a importância de um ecossistema forte para financiar e escalar iniciativas verdes. É sabido que a transição para uma economia verde é muito cara, e que os consumidores não conseguem financiá-la, ao adquirir produtos mais caros em escala. Em função disso, todas as atividades que permitam reduzir custos são importantes, como por exemplo garantia de compra de clientes, empréstimos subsidiados e até benefícios fiscais. No momento da concepção da empresa, pré Covid e com os debates sobre o Clima bastante aquecidos, essas alternativas foram muito bem exploradas pelos fundadores.

Escalando: O Jogo Financeiro (2019–2022)

A ambição da Northvolt exigiu um capital imenso:

  • Capital de Ações e Dívida: $8 bilhões arrecadados entre 2017 e 2022, incluindo $1 bilhão de fundos de pensão suecos e $1,6 bilhões em dívidas.
  • Custos da Gigafábrica: A construção e a expansão da planta em Skellefteå exigiram $4 bilhões em capital, com planos de aumentar a capacidade para 60 GWh—o suficiente para alimentar 600.000 EVs anualmente.

Apesar de fortes pedidos antecipados, o fluxo de caixa operacional estava apertado, com a lucratividade dependendo da adoção em larga escala de EVs e da redução nos custos de produção de baterias.

A se destacar: o foco da Northvolt em reciclar materiais para criar uma economia circular, foi uma inovação notável. O programa Revolt, lançado em dezembro de 2019, almejava usar 50% de materiais recicláveis na produção de novas baterias. No entanto, esse compromisso aumentou os custos de produção, o que restringiu sua capacidade de competir em termos de preços com os fabricantes asiáticos.

Cancelamento da BMW: Um Golpe Devastador

Em 2023, a BMW desistiu de seu contrato de longo prazo com a Northvolt, citando atrasos nos cronogramas de entrega e a disponibilidade de alternativas mais baratas de fornecedores asiáticos. O cancelamento, estimado em $1,5 bilhão em receita projetada, destacou dois problemas principais:

  1. Impacto no Fluxo de Caixa: A Northvolt perdeu uma fonte de receita garantida, prejudicando gravemente sua capacidade de financiar operações e expansões.
  2. Dano à Reputação: A retirada da BMW prejudicou a imagem da Northvolt como fornecedora confiável, gerando preocupações entre outras montadoras.

A se destacar: os atrasos nos cronogramas de produção foram agravados pela escalabilidade rígida das megaoperações da Northvolt, que não conseguiram a flexibilidade necessária para adaptar seus processos, visando atender a mudanças pedidas pela BMW.

Desaceleração do Mercado de EVs

A indústria de EVs em geral enfrentou desafios, o que pressionou ainda mais a Northvolt:

  • Aumento dos Custos dos EVs: Os custos das baterias, embora tenham caído globalmente, continuaram a ser uma barreira significativa para a adoção em massa, especialmente em mercados sensíveis ao preço.
  • Incertezas Econômicas: A inflação e os aumentos nas taxas de juros reduziram a demanda do consumidor por EVs, levando a uma adoção mais lenta.
  • Mudança nas Prioridades dos Clientes: As montadoras priorizaram a eficiência de custos, muitas vezes escolhendo fabricantes asiáticos estabelecidos em detrimento da Northvolt.

A se destacar: Uma pesquisa da Bain sobre circularidade na indústria automotiva, observou que as iniciativas de reciclagem da Northvolt estavam à frente do mercado, mas eram caras. O foco dos concorrentes em economias de escala e soluções de menor custo atraiu as montadoras durante tempos econômicos incertos.

Utilizando modelos analíticos conhecidos para entender a história

É muito mais fácil analisar fatos já ocorridos, do que antecipar decisões em base a avaliações de risco ou outros frameworks. No entanto, para o objetivo do texto, tomei a liberdade de realizar algumas análises.

“SWOT”, na perspectiva da gestão financeira

Forças:

  • O forte apoio governamental e de investidores garantiu que a Northvolt tivesse acesso ao capital inicial.
  • O compromisso com a sustentabilidade posicionou a Northvolt como pioneira no setor.

Fraquezas:

  • Dependência excessiva de uma pequena base de clientes, com a saída da BMW amplificando os problemas de fluxo de caixa.
  • Altos custos fixos associados às gigafábricas não deixaram margem para redução durante períodos de baixa.

Oportunidades:

  • A expansão para os mercados dos EUA por meio de parcerias com montadoras sob a Lei de Redução de Inflação poderia ter diversificado as fontes de receita.
  • O aumento do investimento em mercados de armazenamento de energia industrial e em nível de rede oferecia um potencial de receita inexplorado.

Ameaças:

  • A competição agressiva dos fabricantes asiáticos, que ofereciam custos mais baixos e cadeias de suprimentos mais confiáveis.
  • A volatilidade do mercado, impulsionada por flutuações na demanda de EVs e preços de matérias-primas.

Técnica dos “Cinco Porquês”, para entender “Por que a BMW cancelou?”

  1. Por que 1: Atrasos nos cronogramas de produção interromperam os planos de lançamento dos EVs da BMW.
  2. Por que 2: Alternativas mais baratas de fornecedores asiáticos tornaram a Northvolt menos competitiva.
  3. Por que 3: A estrutura de custos da Northvolt limitou sua capacidade de oferecer preços competitivos.
  4. Por que 4: A desaceleração da demanda por EVs forçou a BMW a cortar custos em toda a sua cadeia de suprimentos.
  5. Por que 5: A dependência da Northvolt de um mercado de nicho a expôs a riscos concentrados.

Há outras tantas análises que poderiam ser realizadas em base a essa caso, e eu talvez retorne com esse assunto no futuro, no entanto acredito que a questão fundamental é o balanço entre Prudência Financeira e Ousadia Empresarial.

Se você concorda que não faltou ousadia para a Northvolt, então podemos pensar sobre algumas questões que poderiam colaborar para um melhor equilíbrio, como:

a)      maior diversificação de receitas, em especial em empreendimentos de alto risco e investimento;

b)     aliado à diversificação, desenvolver relações contratuais flexíveis, que possam acomodar variações naturais em projetos com forte dose de ciência aplicada;

c)      uma análise conjunta com Clientes (e consumidores) sobre decisões de sustentabilidade (quem irá pagar o preço da circularidade?) e o balanço modularidade ou eficiência na produção;

d)     alinhamento constante entre investimento e projeção de demanda, utilizando-se de fatores antecedentes para estimar a velocidade e tamanho dos mercados potenciais para os produtos.

A história da Northvolt não é de falência, mas de lições aprendidas.

Sua ambição remodelou a indústria de baterias verdes, inspirando discussões globais sobre manufatura sustentável. No entanto, seu colapso financeiro destaca os desafios de escalar a sustentabilidade, desde pressões de custos até dependência de clientes.

Para inovadores verdes, a jornada da Northvolt é um conto de advertência: visões ousadas exigem disciplina financeira meticulosa, estratégias de receita diversificadas e operações adaptáveis. Aprendendo com os erros da Northvolt, futuras iniciativas podem equilibrar ambição com pragmatismo, transformando sonhos de um futuro sustentável em realidades duradouras.

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