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Budget 2021: ideias para reduzir o impacto das incertezas

Budget 2021: ideias para reduzir o impacto das incertezas

Assim como muitos de vocês, estamos em fase de Budget na GfK. Todos os anos seguimos o ritual de discutir o que a Economia e a Política nos reservam, principais movimentos da concorrência, o investimento que queremos fazer, principais lançamentos, além de grandes riscos e oportunidades. Ao final, traduzimos isso em números, que quase sempre atingimos ou ficamos próximos (para cima ou para baixo) e todos ficam felizes.

Porém o processo 2021 está muito mais desafiador. Em função das incertezas e das enormes mudanças no ambiente de negócios, tem sido necessário buscar inspiração para realizar um plano efetivo e, até o momento, tenho me inspirado em 2 elementos: o pensamento empreendedor e a gestão de riscos.

O pensamento empreendedor:

Tenho muito respeito por meus amigos empreendedores, pois vejo neles uma característica comum: onde as pessoas normais enxergam problemas, eles geram oportunidades e as perseguem de maneira obstinada, mas ao mesmo tempo flexível, “pivotando” suas atividades táticas, sem perder o foco no objetivo de longo prazo.

Fui entender que este é um traço comum da personalidade de empreendedores de mercados menos favorecidos, como o Brasil. No artigo “Além do Vale do Silício”, da edição de Março/Abril da Harvard Business Review (HBR), um Venture Capitalist chamado Alex Lazarow, comenta com exemplos e boa dose empírica, que as novas empresas ou startups de mercados emergentes são muito mais resilientes que as de mercados com cenário ideal para a inovação, como as localizadas em Palo Alto, Londres ou Tel-Aviv.

 Há 3 principais razões para isso, segundo o autor:

1.    O foco em resolver problemas reais: uma vez que nestes mercados há muito mais carências de serviços e produtos, os empreendedores conseguem encontrar algo que realmente os incomoda e não desistem enquanto não o solucionam, ainda que o serviço ou produto final seja muito diferente do desenhado inicialmente;

2.    Disciplina financeira: como os investimentos são mais difíceis e caros, o empreendedor precisa balancear muito bem seus objetivos de crescimento a longo prazo, com a sobrevivência financeira. Isso faz com que as decisões de investimento sejam muito mais assertivas, os custos melhor controlados e o “modelo de receita” implementado desde o início. Essa é uma das razões para termos mais “Camelos” que “Unicórnios” no Brasil, ou seja, empresas que não “dominam o mundo”, mas são lucrativas já em seus estágios iniciais e usam esse lucro para se autofinanciar;

3.    Geração de aprendizado contínuo, individual e corporativo: faltam profissionais para levar essas empresas à frente, em seus diferentes estágios. Com isso, o investimento no desenvolvimento da equipe interna se torna fundamental, criando a cultura de “todos crescemos junto com a empresa”. 

Ao ler o texto, percebi que nossos empreendedores são fundamentalmente mestres em Planejamento Estratégico “da vida real”. Eles fazem escolhas todo o tempo, em especial daquilo que não farão, e proporcionam os fundos necessários para que essas escolhas prosperem, alterando os planos táticos conforme os problemas se apresentam.

Para comprovar minha teoria, fui buscar inspiração em Arie de Geus, um dos pais do Planejamento Estratégico, que em 1998 definiu o que é ser um empresário em tempos de incerteza: “Há momentos em que o conhecimento de uma empresa, sua linha de produtos e as relações de trabalho, estão em harmonia com o mundo em volta dela. As situações de negócio são familiares, a companhia está bem organizada e os funcionários estão treinados e preparados. Durante esse período, os gerentes não tem que preocupar-se em desenvolver e implementar novas ideias. Seu trabalho é alocar recursos para promover o crescimento e o desenvolvimento, canalizando capital e pessoas para aquelas partes da empresa melhor posicionadas para se beneficiar do estado atual de negócios. (…) Porém, justo quando a companhia se organizou, as circunstâncias externas costumam mudar. Novas tecnologias aparecem, mercados mudam, taxas de taxas de juros flutuam, há mudança nos hábitos de consumidor e a companhia precisa entrar numa nova fase de sua vida. Para se manter em sintonia com o mundo exterior, a organização necessita alterar sua estratégia de marketing (…), desenhando uma nova forma de desenvolver seus produtos e serviços. Uma vez que a empresa se adaptou ao novo ambiente, ela já não é mais a empresa que costumava ser, ela evoluiu. Esta é a essência do aprendizado corporativo”. 

Estamos justamente nesse momento, embalados pelos problemas que a Pandemia exacerbou, mas com uma oportunidade de ouro nas mãos: fazer escolhas para os próximos anos, que mantenham vivos o Propósito ou a Missão de nossas empresas, porém alterando significativamente a forma de se “gerar e capturar valor”. 

No entanto, dadas as múltiplas incertezas, essas escolhas tem risco elevado e nós, executivos, mesmo sabendo o que temos que fazer, podemos nos “furtar” da tomada de decisão, com receio de afetar nossa carreira ou nossos bônus em 2021. É nesse momento que uma gestão ativa e estruturada de riscos pode garantir a segurança necessária para a tomada de decisões estratégicas.

 A gestão de riscos:

 Um exercício clássico de “Risk Management” lida com 4 passos concretos:

1.    A identificação de potenciais riscos (em alguns casos, também de oportunidades);

2.    A quantificação desses riscos, em probabilidade e impacto;

3.    O plano de mitigação;

4.    A redução do risco com a implementação deste plano.

Minha visão é que há 2 tarefas adicionais, que muitas vezes estão desagregadas no Planejamento Estratégico tradicional, mas que julgo relevante fazerem parte da Gestão de Riscos: o desenho de cenários e, talvez o mais importante, o alinhamento com os key stakeholders.

 Para o Desenho de Cenários, decidi reduzir o tempo dedicado a discutir as coisas incontroláveis, como “o formato da curva de recuperação macroeconômica”. Estou dedicando atenção e neurônios à curva “microeconômica”, ou seja, coisas que realmente podem afetar a GfK, em suas diferentes linhas de Serviços e nas Indústrias que atende.

A minha inspiração veio de um estudo feito pela própria GfK na Europa, no qual vimos que dentro de um mesmo país, as categorias de eletrodomésticos ou de “IT” apresentaram curvas de retomada bastante diferentes entre si, na Espanha, Rússia, França, Itália e Reino Unido. Isso significa que pese o formato de recuperação macroeconômica do país ser, por exemplo, em “W”, podemos ter categorias crescendo em V ou nunca mais se recuperando (formato “L”).

Ainda sobre o desenho de cenários, outro artigo da mesma edição da HBR, intitulado “Sua empresa é muito avessa a risco: por quê e o que fazer”, propõe a ideia de que deveríamos planejar com quatro cenários (ou cenários pares) e não três. Segundo os autores e achei genial, isso impediria o exercício clássico de se prever um cenário realista, no qual em geral dedicamos tempo pois é o que queremos “aprovar”, enquanto fazemos os outros dois piorando ou melhorando as mesmas variáveis (e chamamos de realista ou otimista).

Neste sentido, a proposta de 4 cenários com impactos microeconômicos, quando acoplada a Gestão de Riscos, tem a intenção de preparar a empresa para cada uma dessas prováveis situações. No caso da indústria de Eletroeletrônicos, por exemplo, há 4 elementos fundamentais e que podem mudar o jogo, mas que não são totalmente controláveis:

1.    a aprovação da “Renda Cidadã/Renda Brasil” (e o alcance)

2.    a aprovação da redução/eliminação do IPI da linha branca

3.    quem irá comprar os Correios

4.    disponibilidade e custo de matéria prima

Cada um desses 4 eventos tem seus próprios riscos, mas também suas oportunidades, que necessitam ser quantificados na matriz de risco, gerando planos de ação (análise de abertura de lojas em regiões mais pobres do país, estudos de sensibilidade a preço, geração de alternativas logísticas, nível de promoções para desova de estoque, etc). Porém o desenvolvimento e a implementação desses planos de ação, em geral custam tempo e dinheiro, ativos escassos em qualquer empresa e é aí que o alinhamento com key stakeholders é fundamental. 

Por um lado, está o alinhamento “para cima”. O mesmo artigo sobre risco da HBR de Março/Abril comenta sobre a importância de se “elevar o perfil de risco da empresa”, o que em muitos casos se define como apresentar o risco aos níveis mais altos, já que um grande risco para você (no Brasil) deve ser bem menos importante para o seu chefe (Head de Américas ou “Mercados Internacionais”).

Um Planejamento Estratégico bem desenhado, com clara identificação de riscos e “apetite empreendedor” pode, por exemplo, resultar em um nível maior de investimento para o Brasil, reduzindo a pressão local por lucratividade. Outra opção é se reservar um pool de recursos para oportunidades a nível global, que se dispare de acordo às premissas acordadas (ex a reução do IPI)

 O outro alinhamento fundamental é “para os lados”, junto a fornecedores e clientes. Com que velocidade iremos mudar nossas atividades se qualquer dos 4 cenários se confirmarem? Quais os maiores impactos e em que velocidade se materializarão? Que “kpi’s” devem ser controlados, para permitir uma reação em tempo e forma adequados. Finalmente, está o alinhamento dos colaboradores, que como comenta Arie de Geus, precisam estar dispostos a aprender e agir, caso o cenário se altere rapidamente.

 Em resumo, viveremos outro ano de muito aprendizado e muito risco, onde o foco no longo prazo pode se perder facilmente. A apresentação do Budget 2021 deve se concentrar em gerar alinhamento de Premissas, Prioridades e Atividades, obtidos através do exercício de “Gerenciamento de Risco”. Isso dará aos executivos brasileiros a agilidade, o foco e gestão financeira balanceada, típica dos Empreendedores tupiniquins.

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